No País dos Arquitectos é um podcast criado por Sara Nunes, responsável também pela produtora de filmes de arquitetura Building Pictures, que tem como objetivo conhecer os profissionais, os projetos e as histórias por trás da arquitetura portuguesa contemporânea de referência. Com pouco mais de 10 milhões de habitantes, Portugal é um país muito instigante em relação a este campo profissional, e sua produção arquitetônica não faz jus à escala populacional ou territorial.
Neste episódio Sara conversa com o arquiteto Diogo Aguiar sobre a reconversão do Edifício da Eira (antiga casa agrícola), na Quinta da Aveleda. Ouça a entrevista completa e leia parte da transcrição da conversa, a seguir:
Sara Nunes - Hoje vamos falar sobre um projecto de Enoturismo, e se não estou enganada... este foi o teu primeiro projecto concluído ligado aos vinhos. Digo isto porque sei que tens vários em desenvolvimento. Pergunto-te com base na tua experiência, o que há de semelhante entre a Arquitectura e o Vinho?
Diogo Aguiar - Ora bem, se nos afastarmos das arquitecturas efémeras, que é uma prática na qual eu gosto muito de me envolver... Talvez possamos fazer a analogia de que um bom vinho deve saber envelhecer. E, nesse sentido, eu diria que uma boa arquitectura também deve saber envelhecer. E isto pode acontecer a vários níveis, não só naquele que será mais óbvio, como por exemplo, a partir da qualidade dos materiais que constroem o edifício, mas também através da capacidade de saber ler a importância de um edifício enquanto infraestrutura. Essa infraestrutura é capaz de albergar, ao longo de um período de vida mais longo, não apenas o uso para o qual foi concebida, mas também outros usos que possam, entretanto, vir a ser desenvolvidos naquele lugar. E, portanto, eu diria que, tal como um bom vinho, um bom edifício tem de saber envelhecer.
SN - Engraçado o que mencionaste agora porque, quando estivemos à conversa com o arquitecto Ricardo Bak Gordon, ele também nos falou desse aspecto. Ou seja, os edifícios, como por exemplo, os conventos que tiveram essa capacidade de envelhecer, ao longo dos séculos, e de se transformar em hospitais, áreas militares, escolas... existe essa capacidade dos edifícios resistirem ao tempo, como tu falavas.
A Quinta da Aveleda é uma das principais produtoras de vinho verde do país. Confesso que me surpreendeu bastante a visita que fiz à quinta porque senti que o lugar nos fazia viajar para outros territórios e, até para outros países, não só pelos seus jardins, mas também pelo património edificado que a quinta possui. E este é um projeto de reabilitação...
Gostava que nos dissesses como encontraste o edifício e quais as opções que tomaste na intervenção, face a este novo programa e às novas funções?
DG - Eu começaria por sublinhar essa tua experiência que foi também a minha experiência, quando visitei pela primeira vez a Quinta da Aveleda. A Quinta da Aveleda é, de facto, um local excepcional, a 30 minutos do Porto e há uma viagem que é feita quando chegamos àquele lugar. É uma quinta que é rodeada por vinhas e tem belíssimos jardins do século XIX – alguns românticos, outros ‘à francesa’...
Existe também um conjunto edificado muito interessante. Alguns edifícios datam desde o século XVI e XVII. Portanto, a primeira vez que ali chegámos, quando encontrámos o Edifício da Eira... esse edifício era de armazenamento agrícola e bastante compartimentado. Tinha a particularidade de ter um piso inferior onde, na verdade, acontecia a Adega Velha – a adega de aguardente. A operação foi uma operação arquitectónica que teve, por um lado, de saber ler o edifício recente e, por outro lado, teve de fazer a obra mantendo o uso da grande Adega Velha, que se encontra sob a parte intervencionada.
Depois fizemos uma intervenção de uma forma mais ou menos estratégica – que sabe ler e respeitar o passado, mas não o procura mimetizar; e intervém no edifício, situando a intervenção no século XXI. Isso, para nós, é a parte mais importante: encontrar uma narrativa arquitectónica, um tema arquitectónico que nos permita, por um lado, repetir alguns gestos que encontrámos no edifício original, como estas asnas em tesoura levantada... no fundo, absorvemos e replicámos no projecto para conseguirmos magnificar o pé-direito destas grandes salas que abrimos.
SN - Já agora que falas sobre as asnas... Apesar de elas estarem agora no projecto, sei que vocês tiveram de replicá-las de outra forma porque as que existiam já não estavam em bom estado.
DG - Este edifício não era de uso nobre. A forma como edifício foi sendo intervencionado, ao longo dos anos, era sobretudo para o manter operacional. Portanto, nós encontrámos asnas construídas em alvenaria de tijolo, mas encontrámos também asnas, que diziam respeito à sua composição inicial... eram asnas de madeira, mas de tesoura levantada. Ou seja, existia a linha que caracterizava a asna que poderia cortar, naquele caso concreto, a maior visibilidade de atravessamento visual. Nesse sentido, a recuperação dessa asna foi importante porque é uma asna que tem uma identidade visual muito própria e carrega uma identidade visual também para este edifício.
Reinterpretando o passado, nós damos-lhe uma imagem que vive dessa nostalgia, mas, ao mesmo tempo, ocupamos esse edifício com um volume claramente contemporâneo, que é marcado numa outra cor e que fala desse diálogo a dois tempos. Isto é, trata-se de um edifício que deixa de ser de armazenamento agrícola e que passa, neste momento, a assumir uma outra valência, que é a valência do Enoturismo. Portanto é um edifício composto por sala de provas, por uma pequena vinoteca, onde alguns vinhos têm maior destaque, umas salas mais intimistas para provas de vinhos e uma loja. Esses espaços acabam todos por ocupar de forma fluída um mesmo interior, que é compartimentado não por divisórias, mas por sensações ou atmosferas que procuramos criar.
Ouça a entrevista completa aqui. Reveja, também, as entrevistas já publicadas do podcast No País dos Arquitectos:
- Carrilho da Graça
- João Mendes Ribeiro
- Inês Lobo
- Carlos Castanheira
- Tiago Saraiva
- Nuno Valentim
- Nuno Brandão Costa
- Cristina Veríssimo e Diogo Burnay
- Ricardo Bak Gordon
- Paula Santos
- Carvalho Araújo
- Guilherme Machado Vaz
- Menos é Mais Arquitectos
- depA architects
- ARX Portugal
- Frederico Valsassina
- PROMONTORIO
- Camilo Rebelo
- Pedro Domingos e Pedro Matos Gameiro
- Luís Rebelo de Andrade
- Susana Rosmaninho e Pedro Azevedo
- João Pedro Serôdio
- João Carlos Santos
- Manuel Aires Mateus
- Carlos Antunes e Désirée Pedro
- Adalberto Dias
- Pedro Guimarães
- Eduardo Souto de Moura
Nota do editor: A transcrição da entrevista foi disponibilizada por Sara Nunes e segue o antigo acordo ortográfico de Portugal.